O amor é cego | Mas nem tanto
Já ouvi dizer que o melhor para casar, é uma pessoa igualzinha à gente. Já ouvi também, o contrário. Que o melhor é alguém bem diferente, para agir como um elemento complementar.
Já li uma pesquisa, feita por computador, mostrando como as pessoas se escolhem por semelhança. E já encontrei, pela vida, um sem número de casais, bem casados, ditos cheios de diferenças.
Entretanto, responda depressa: o que é alma gêmea?
Se respondeu “uma alma igualzinha à da gente”, errou. Acertou se disse “aquilo que todos procuram”.
Errou na primeira hipótese porque uma alma igualzinha à da gente não existe.
Se compararmos almas, ditas gêmeas, entre si, veremos que não são forçosamente parecidas uma com a outra.
Basta que uma alma nos tangencie naqueles pontos mais sensíveis – os que consideramos constitutivos de nossa personalidade – para dizermos que ela é nossa alma gêmea.
Aqueles que se casam considerando-se idênticos descobrem, com o passar do tempo, a limitação desta identidade.
E aqueles que se casam atraídos pelas diferenças, surpreendem-se adiante, por serem tão mais semelhantes do que imaginavam.
O mecanismo é óbvio. Na hora da escolha, aquilo que mais nos atrai no outro nos torna cegos para o resto.
Gradativamente, porém , recuperamos a visão, nosso olhar se faz mais abrangente e passamos a ver nosso parceiro em sua totalidade.
Passamos a perceber então aqueles pontos que havíamos ignorado porque não nos tocavam diretamente.
Com o tempo também, já estabelecida a convivência, e superado o medo inicial da entrega, estamos em condições de descartar o artifício da alma gêmea.
Não só começamos a conhecer de fato o outro, como passamos para um estágio em que, atribuindo-lhe defeitos que antes não víamos, fazemos questão de não nos identificarmos com eles. O que é importante agora são as diferenças.
Quando você acha que entendeu tudo e pára de prestar atenção na canoa, cuidado, que ela pode virar.
Você é uma pessoa com quinze anos, outra com vinte, uma terceira com trinta e assim por diante.
Idem com os outros. Inclusive com aquele que você escolheu para ser seu parceiro porque era tão igual a você. Ou diferente. E que possivelmente , com o passar do tempo, deixou de ser uma coisa ou outra.
O problema é em que direção a gente está mudando, e se esta direção serve ao parceiro.
Não é nada que se possa realmente controlar. Ou que se deva controlar.
Dá para se ter um jogo de cintura, negociar um tanto, operar com um pouco de estratégia.
O que não se pode é apelar para o gesso, tentar imobilizar, para garantir.
A mudança tem sua graça. É dele que um bom casamento vive e se alimenta. Quando dá certo, costumamos chamá-lo renovação.
Mas também pode virar desgraça. É quando o casamento se torna mau, nos envenena.
E voltamos à estaca zero, à pergunta mais óbvia: o que contém menos risco, escolher um parceiro parecido ou diferente de nós?
O risco está em escolher alguém, seja quem for. Mas é um daqueles riscos que vale a pena correr, assim como todos os dias escolhemos o risco de viver.
Isto posto, temos uma série de possibilidades a considerar.
O ideal seria escolher alguém, não pelo que é em relação a nós, mas pelo que é em relação a si mesmo. Teoricamente fica lindo.
Na prática é dificílimo. Simplifiquemos. O melhor é escolher alguém pelo que representa como pessoa e não como espelho para você.
Tendo em vista que, passados os primeiro meses de cegueira, é com a pessoa que vamos ficar, não com o espelho, me parece uma estratégia bastante razoável.
Dentro de um conceito mais prático, prefiro um máximo de semelhanças nos pontos básicos e, no resto, o que Deus quiser.
Pontos básicos são aqueles sobre os quais não estamos dispostos a transigir e sem os quais não conseguiríamos sequer nos reconhecer. São aqueles pontos que nos definem.
Mas uma coisa é inquestionável: seja qual for a escolha, não pode ser feita às custas da individualidade de nenhum dos parceiros.
Autor: Marina Colassanti