Faz de conta…
Sim, faz de conta que hoje é ontem e que virás ao meu encontro com aquele mesmo sorriso cúmplice de tantas vezes. Um sorriso maroto, quase rindo do mundo.
Faz de conta que hoje é passado, antes de Abril, quando éramos malucos de pedra naquela loucura sã dos apaixonados e, irresponsáveis, éramos moleques nas escapadas furtivas em manhã inteiras, brincando na beira da praia, ou nos lugarzinhos afastados, onde, longe dos curiosos, das perguntas, podíamos nos descobrir, nos dar um ao outro, somarmos na divisão exatamente igual de um prazer que buscávamos com avidez, feito crianças, adolescentes, adultos, gente, humanos abençoados pela dita de conhecer caminhos do amor verdadeiro.
Faz de conta que acabamos de chegar. Mal fechei a porta e nos teus braços já estou dividindo contigo o primeiro abraço quase sufocante emoldurando um beijo voraz.
Faz de conta que me carregar nos braços, e, apenas me deito e já cubro a maciez do veludo moreno do teu corpo com minha fome e a minha sede, e sem deixar que meus lábios dos teus se afastem, me desfaço da tua roupa para o sagrado banquete do prazer.
Menino, homem, amigo, amado, amante, felino de botes certeiros…
“Deus, me dá um sinal…Ah, Cristo!”
Lembro-me da indecisão, do medo ante a vontade incontida da primeira vez.
E veio o sinal: o eclodir fantástico da mais sublime de todas as entregas.
A mais divina… e disseste-me: “Vem…” E fui como se nunca antes houvera ido para nenhum regaço, para nenhum aconchego, porque, nenhum, antes, fora tão abençoado como o teu.
Faz de conta que ainda estamos lá, e, inseridos no contexto daquela tarde, vemos nascer a primeira estrela e falamos, pela primeira vez, de eternidade, de para sempre.
“Se um dia eu não exitir, ainda assim continuarei a te amar, porque ficará a minha saudade e ela perpetuará o amor que sinto por ti…”
Faz de conta que ainda existimos um para o outro, e que ainda és a minha melhor rima de poesia constante de uma poeta romântica e apaixonada.
Faz de conta que ainda há crença nas juras que me fizeste, e nos sonhos que aceitei como imorredouros.
Faz de conta, que ainda me olhas e me perscrutas, me invades e me desmudas a alma, o espírito pelo avesso me põe para que nenhum segredo eu te oculte, nenhum mistério eu te esconda.
Faz de conta que estamos dividindo os mesmos gemidos, os mesmos gritos de prazer, o mesmo êxtase, com a mesma sede de um dia, com a mesma volúpia de outrora, e descansarmos no repouso igual depois da canseira comum dos amantes saciados, sobre a convivência de um quarto anônimo.
Faz de conta que ainda acredito nos sentimentos que me confessavas, porque ainda existe certeza do quanto te amei, do quanto ainda te amo…
Faz de conta , ah, faz de conta que aquela tarde nunca existiu, que aquele pressentimento se desfez num mau momento passageiro, que nunca houve aquela decisão, nem que houve decisão, nem que aquela decisão nunca foi tomada- à minha revelia…
Faz de conta que nunca houve um silêncio tão pesado, tão triste, a me roubar lágrimas que não pude conter depois do tiro de misericórdia, nas minhas esperanças nos meus sonhos, nos meus devaneios, nos meus castelos.
Faz de conta que nunca te pedi para ficar porque nunca te foste de mim… que o dia seguinte nunca chegou, que paramos no passado num mágico dia antes do dia seguinte, naquele presente distante, quando me fragmentei e vi pedaços de mim espalhados com maus sentimentos mais puros, mais caros, impossíveis de juntar, de vê-los e ver-me inteira outra vez…
Faz de conta, por favor, que nunca me deixaste sozinha e que nunca houve tanta mágoa, nem solidão nem vazio, nem tantas fantasmas a chorar comigo nessa loucura apavorante de “nunca mais”, que nunca contei segundos até vê-los tranformados em dias inteiros de semanas e meses.
Faz de conta que meu grito de chamado é o eco do teu, que a minha espera é a tua vinda.
Faz de conta que nunca houve adeus…
Eu preciso fazer de conta tudo isso e muito mais para ser feliz nem que seja um dia, antes de escutar de vez a estória que fala de um final triste, que começa assim: ” Era uma vez o fim…”
Faz de conta, só agora, só uma vez.
Autor: Desconhecido