Amor sagrado
minha querida e adorável criatura,
você às vezes se espanta com coisas que considera exagero, como um certo deleite ao qual temos nos dedicado com tanto fervor e nenhuma culpa. Mas já houve quem dissesse, com muita propriedade, que o amor faz com que as coisas inferiores se convertam em mais nobres. Parece até que é verdade pois, ontem, menos bêbado do que equilibrista, acreditando menos em trens azuis e mais em uma magia maior que parece estar nos cercando por todos os poros, fui à missa e senti, como você (ao que parece), a mensagem do evangelho, e ela em nada contradiz meus sentimentos, intenções e nem mesmo nossas atitudes.
Não, em verdade não foi a mensagem da Bíblia o que me impressionou, pois aquela já estava em mim, sinceramente: foi o sinal. Após tanto tempo sem entrar numa igreja (a não ser como turista ou para cerimônias fúnebres ou festivas), caminhei com meus próprios pés e minha vontade e cheguei, contigo, no exato momento em que o padre dissertava sobre o amor, aquele gratuito e merecedor de recompensas eternas.
Estávamos de mão dadas, carinhosamente de mãos dadas (com frio, quem sabe?), mas honrando harmoniosamente o bem-estar proporcionado pela intensa atenção que temos dedicado um ao outro. Estávamos na igreja e a sua mão na minha mão não era apenas um encontrar de peles, pois naquele instante eu sentia você inteira na minha alma, e desejava ser capaz de proporcionar-lhe “tudo de bom”, sem saber ao certo o que isso significa.
Você pode até achar engraçado, mas foi o mesmo que eu senti quando, mais tarde, você trouxe o ossinho de galinha para “apostarmos” a sorte: fiquei feliz por você ganhar, pois senti a sua alegria, mas tenho certeza de que se eu ganhasse você também perceberia a minha, tão pura quanto aquela sua, que fez seus olhos (ainda azuis) brilharem.
Há muito ainda para lhe dizer, mas devo começar tocando em um ponto que parece te incomodar, às vezes: os tais exageros, a tal voluptuosidade que te espanta não é luxúria e, portanto, tampouco é pecado. Pelo contrário, isto nada mais é do que uma manifestação da integralidade do amor, que “exige” a sensualidade demonstrada em nosso convívio íntimo como uma forma de deleitarmos em Deus, como obras Suas, competentes para a fruição de nossa natureza humana, como seres capazes de, através de uma relação carnal e aparentemente “menor”, traduzirmos “el fine perfettivo del Suo ardentíssimo amore”.
Há ainda um outro aspecto, menos polêmico, talvez, que explica bem a qualidade dos meus sentimentos em relação a você. Pitágoras disse que um amigo é um outro eu e que é preciso honrá-lo como um deus… Antes de tudo, e considerando o pouco tempo que nos conhecemos, posso dizer que sou seu amigo, porque me preocupo com você e tomo todo o cuidado para não ter nenhuma atitude que possa de alguma forma magoá-la. Quando não estamos juntos, procuro imaginá-la sempre bem, superando as dificuldades cotidianas, vencendo o dia sem cansaço e sem stress. Não gosto de pensar em você triste, deprimida ou com algum problema. Quero para você tudo o que quero de bom para mim e desejo honrá-la, sempre, como se você não fosse simplesmente o “outro”, mas meu “outro eu”. Acho que esse interesse no bem estar do outro é um dos pilares a amizade e, talvez, esta preocupação perene de buscar a igualdade, a harmonia ou, como dizia o filósofo, “a igualdade da harmonia”, aliada à atração física que sinto por você, deve ser o que chamam de Amor.
Querida, o fato de eu me sentir atraído de forma tão pura e ao mesmo tempo tão intensa por seu corpo e seu espírito, serve-me de alento espiritual, pois interpreto essa sensação como o resgate de uma força vital que eu julgava um tanto adormecida. E esse resgate eu devo a você. Assim, aconteça o que acontecer entre nós, hei sempre de recordar de você como algo bom e maravilhoso, que sempre me trará a memória aquele clássico do Vinícius “Eu sei que vou te amar…”
Beijo grande do teu amor!
Autor: Desconhecido