Sobre chegadas e partidas
Na estrada incerta da vida pessoas vêm e vão. Uns passam, outros ficam. Sim, somos caminho. Somos passos. Também passamos. Também ficamos. Dos que entram e saem todos os dias, só ficam mesmo aqueles que reconhecem a estrada como um lugar seguro. Como um lugar de base firme, onde os pés não afundam em superficialidades; os joelhos não dobram pela dimensão do esforço utilizado para se evitar um tombo; as dores não são inteiras e irreversíveis; mas apenas uma consequência inevitável do percurso. Só ficam mesmo aqueles que reconhecem a estrada como um lugar onde a certeza transita livre, sem se render ao medo e transformar-se no seu contrário: dúvida. Só ficam os que reconhecem a estrada como um lugar onde existe um espaço amplo, para se guardar um coração cansado e persistente. E um abrigo-aconchego para os dias de chuva. Só ficam mesmo os corajosos expedicionários de alma, que percorrem sem medo os becos mais escuros e perigosos do outro. E desejam, por vocação, desbravar os caminhos ocultos da alma de quem ali mora e se esconde. Só ficam os que querem chegar ao lugar além-do-lugar-comum, onde o acesso é limitado, quase impenetrável para qualquer-um no mundo. Os que querem chegar onde se guarda um dos maiores tesouros de uma vida: a verdade. Aquela verdade que reduz incertezas pelo conteúdo que traduz. E aumenta o espaço de quem mora dentro do coração de alguém, para que ele se transforme em um depósito de alegrias tantas, que não cabem em lugar algum além do infinito. A verdade que acende estrelas, que ilumina dois quarteirões de vida e vai além de um sorriso que encanta. Porque a verdade da vida se esconde. E a nossa também…
Então, fica fácil compreender, depois de alguns passos, travessias e caminhos percorridos, que aqueles que apenas passeiam e partem do mesmo jeito silencioso que chegaram, não devem mesmo ficar. E não devem porque, talvez, não saibam e não consigam ficar. Alternam entradas e saídas como se fossem vento, como se fossem ondas. Entram, bagunçam tudo e depois vão embora. E quem abre a porta e sempre fica olhando o vento passar; quem mantém suas raízes fincadas no tempo e nas estações, tem que dar conta de arrumar a bagunça depois. Sim, os que apenas passam e não olham nos olhos de quem fica, não sabem ficar porque voam livres e inconstantes, sem o desejo íntimo de permanecer. E, quando são impelidos a ficar, quase morrem em vida. E quando ficam, deixam sempre no entre das suas tantas coisas, uma dúvida; um senão; um detalhe que machuca, que dói e que devasta. Quando ficam, com a sua força, arrastam caminhos, também.
Por isso, sobre os que passam, eu pouco sei. E não importa o quanto. Passaram. Quero mesmo é saber mais sobre os que ficam e se importam. Sobre os que moram em mim. Com eles, eu me importo. E muito… Porque depois de tanto passar, eu fiquei até me afogar nos meus próprios sonhos. Sonhei até não caber mais em sonho algum dentro de mim e voltei. Mas não em alguma metade de qualquer caminho. Voltei inteira naqueles que ficaram em mim. E fiquei no lugar onde a estrada é livre, o horizonte amplo e o sorriso o melhor abrigo-aconchego para os dias de chuva.
Autoria: Erica Gaião
Autor: Erica Gaião