Sonhar
Vale a pena sonhar. O sonho alenta
e enflora a vida, o sonho a fortalece.
Ao clamor das nortadas da tormenta
o lábio sonhador murmura a prece.
A vida, muitas vezes, é um deserto
tão árido e de tão combusta areia,
que somente o sonhar nos abre, perto,
cantando, uma água viva que colmeia.
Quando, em gritos, na terra, arde a contenda
de idéias vãs e aspirações pequenas,
feliz a alma que sonha e busca a lenda
dessas alturas límpidas, serenas!
Feliz quem pode levantar sua ânsia,
na asa clara e fugaz da poesia,
para esse eterno azul, que sabe a infância
de cada estrela que de lá radia …
Esta luta, no mundo, de hostes brutas,
incoerentes, bárbaras, selvagens,
não vale nada ante essas impolutas
constelações das célicas paisagens.
O sonho, sim… é que nos aproxima,
enquanto tudo vai no mundo, a rastros,
da seara que guarda lá em cima
toda a imortal vegetação dos astros.
O sonho, sim… nos leva a essas esferas,
pátrias gloriosas e galhardos mundos,
mundos eternos, onde as primaveras
têm seios mais sadios e fecundos.
O sonho, sim… percorre a trajetória
dos planetas, que rolam nos espaços,
muito acima da vida transitória,
que nós vivemos, de grilhões nos braços.
Vale a pena sonhar. Em redor, quando
tudo enegrece e se espedaça tudo,
é bom ao poeta olhar o céu, sonhando,
sonhando muito, extasiado e mudo,
E, no seu sonho compreender mistérios,
acordar forças que inda estão dormindo,
beber as ondas dos azuis etéreos,
sentir-se imenso espaço infindo.
Autor: Narciso Araújo